A lei 9.605/98
tipifica, em seu artigo 38 (inserido dentro da seção que trata "Dos Crimes
Contra a Flora"), as condutas de destruir ou danificar floresta
considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com
infringência das normas de proteção, punindo tais comportamentos com pena
privativa de liberdade de detenção, de forma alternada ou cumulada com pena de
multa.
A análise do tipo penal em comento
revela que este possui, como elemento normativo, a palavra
"floresta", sendo tal, ainda, o objeto material do crime em questão.
Pois bem, o que poderia ser entendido
como floresta? Nem a lei 9.605/98 nem o Código Florestal (lei 12.651/12) esclarecem
tal conceito. Dessa forma, ante ao silêncio legislativo, deve-se buscar
determinar a extensão do vocábulo em apreço na doutrina e jurisprudência.
Segundo a doutrina e a jurisprudência
pátrias, o termo floresta designa vegetação cerrada, composta de árvores de
grande porte. De fato, neste sentido leciona Fernando Pereira Sodero, senão
veja-se:
"Toda vegetação,
genericamente considerada, é flora. Floresta é espécie, qual seja, 'a vegetação
cerrada, constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de
terras'". (Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo. v.37;507, p.510).
Conceito idêntico é dado por Vladmir e
Gilberto Passos de Freitas, para quem floresta é a "vegetação cerrada,
constituída por árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de
terras" (Crimes Contra a Natureza, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais
,7ª ed., p. 114).
Corroborando o consenso na doutrina
acerca de tal conceito, assevera Luiz Régis Prado que floresta "é a
formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos
extensa." (Crimes contra o meio ambiente, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1998, p. 97).
O STJ, manifestando-se sobre tal
conceito, decidiu que:
"O elemento
normativo `floresta', constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98,
é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou
menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de
grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira". (STJ, Habeas
corpus nº. 74.950/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. em 21/6/2007). (Grifou-se)
Dada a relevância, pinça-se do voto proferido
pelo ministro Felix Fischer:
"A exordial
acusatória, em contrapartida, faz menção à destruição de vegetação rasteira
nativa em estágio pioneiro inicial de regeneração, em área de preservação
permanente (fl. 15). E tal vegetação não se ajusta à melhor definição de
floresta. Esta, consoante doutrina abalizada, é a formação arbórea densa, de
alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central
é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Nessa linha, tem-se o
escólio dos seguintes autores:
José Afonso da Silva (in
Direito ambiental constitucional, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 161), Paulo
Affonso Leme Machado (in Direito ambiental brasileiro, 13ª ed., Malheiros,
2005, p. 719), Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (in
Crimes contra a natureza, 7ª ed., RT, 2001, p. 114), Luiz Régis Prado (in
Crimes contra o ambiente, 2ª ed., RT, 2001, p. 103), Luís Paulo Sirvinkas (in
Tutela penal do meio ambiente, 2ª ed., Saraiva, 2002, p.145), Hely Lopes Meirelles
(in Direito administrativo brasileiro, 28ª ed., Malheiros, 2003, p. 540) etc.
"[...]
"Além do mais, é de
se ressaltar que o Código Florestal (Lei nº 4771⁄65) não equipara a floresta
com as demais formas de vegetação, mas muito pelo contrário, distingue-as.
Pode-se mencionar, à título de exemplo, os seguintes dispositivos: Art. 1° 'As
florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação,
reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a
todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as
limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem'
(...), art. 2º 'Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta
Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:' (...). A
própria Lei nº 9605⁄98 cuidou de distinguir tais conceitos, consoante se
depreende dos seguintes artigos: Art. 42. 'Fabricar, vender, transportar ou
soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de
vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:' (...),
Art. 48. 'Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais
formas de vegetação:' (...), Art. 50. 'Destruir ou danificar florestas nativas
ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de
especial preservação:' (...), Art. 51. 'Comercializar motosserra ou utilizá-la
em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da
autoridade competente:' (...) etc."
Como é sabido, em matéria penal as
normas incriminadoras devem ser interpretadas restritivamente e, não havendo a
destruição ou danificação de área de terra mais ou menos extensa, coberta de
árvores de grande porte (ou seja, de floresta), mas, por exemplo, apenas a
supressão de vegetação rasteira, não há como se falar na existência do delito
tipificado no artigo 38 da lei 9.605/98.
Corroborando tal entendimento, Édis
Milaré e Paulo José da Costa Júnior salientam:
"Note-se que
referido tipo penal não alude a outras formas de vegetação, a exemplo do que se
verifica nos crimes previstos nos art. 41, 42, 48, 50 e 51. Assim sendo, a
destruição e o dano a outras formas de vegetação, ainda que sejam de
preservação permanente, a teor do disposto no art. 2º do Código Florestal, não
estão abrangidas no referido art. 38 da Lei Ambiental" (Direito pena
ambiental: comentários à Lei n. 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002. p. 107).
A eventual ampliação do conceito de
floresta inserto no preceito incriminador, a fim de que sejam subsumidos os
casos de destruição ou danificação de quaisquer outras formas de vegetação,
viola o princípio da legalidade estrita, haja vista que se estaria promovendo
indesejável analogia in malam partem.
Segundo Fernando Capez, a analogia:
"consiste em
aplicar-se a uma hipótese não regulamentada por lei disposição relativa a um
caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por
essa razão, aplica-se uma de caso analógico". O autor afirma que "a
aplicação da analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva
legal, uma vez que um fato não definido em lei como crime estaria sendo
considerado como tal. [...] Nesse caso, um fato não considerado criminoso
passaria a sê-lo, em evidente afronta ao princípio constitucional do art. 5°,
XXXIX da Constituição Federal (reserva legal)" (Curso de direito penal:
parte geral. v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 34 e 36).
Por fim, cabe destacar que o TJ/MG, em
inúmeros julgados já decidiu que a supressão de vegetação que não se enquadre
na definição de floresta não caracteriza o crime em apreço, não se podendo ser
utilizada a analogia para ampliar o alcance do artigo 38 da lei 9.605/98 sob
pena de violação do princípio da legalidade, senão veja-se:
"APELAÇÃO DE CRIME
AMBIENTAL - ART. 38 DA LEI 9.605/1998 - ELEMENTAR FLORESTA NÃO CONFIGURADA -
CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO. O crime do artigo 38 da Lei
9.605/1998 exige que a área desmatada seja de floresta de preservação
permanente, mesmo que em formação. Se o acusado promoveu a aração em área
considerada de preservação permanente, causando a supressão de vegetação
rasteira, o crime não se caracteriza, pois, como cediço, não há como adotar no
Direito Penal uma extensão analógica do termo floresta para abarcar outras
formas de vegetação, sob pena de violação ao princípio da legalidade".
(Apelação Criminal nº 1.0701.10.035380-7/001 – Rel.: Des. Flávio Leite – Data
Julg.: 12/03/2013 – Data Publ.: 21/03/2013). (Grifou-se).
"APELAÇÃO CRIMINAL
- CRIME AMBIENTAL - DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA - DELITO NÃO CONFIGURADO -
RECURSO PROVIDO. I - Para a configuração do crime do art. 38 da Lei nº 9.605/98
não basta que o agente intervenha em área de preservação permanente. O tipo
penal exige destruição ou danificação de floresta (formada ou em formação). A
supressão de vegetação rasteira, por não se incluir no conceito de floresta,
não é suficiente para a caracterização do delito. II - Recurso provido".
(Apelação Criminal nº 1.0471.09.112014-0/001 – Rel.: Des. Eduardo Brum – Data
Julg.: 12/12/2012 – Data Publ.: 19/12/2012). (Grifou-se).
"CRIME AMBIENTAL -
SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DELITO NÃO
CARACTERIZAÇÃO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Não há como se imputar ao réu a prática
do delito previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, uma vez que o referido tipo
penal destaca que a destruição ou danificação deve ocorrer em
""floresta"" considerada de preservação permanente, não
abrangendo a supressão de vegetação rasteira. 2. O laudo pericial realizado
nove meses depois da notícia de supressão de vegetação não pode ser tido como
prova robusta da materialidade do crime, já que a vegetação pode ter sido
alterada nesse período por ato de terceiros ou por causas naturais. 3. Recurso
não provido". (Apelação Criminal nº 1.0596.08.051150-1/001– Rel.: Des.
Antônio Armando dos Anjos – Data Julg.: 10/05/2011 – Data Publ.: 09/06/2011).
(Grifou-se).
Assim, ao
final desta breve análise, pode-se concluir, com base no anteriormente
salientado, que o artigo 38 da lei 9.605/98 proíbe as condutas de destruir,
danificar ou utilizar com infringência das normas de proteção, vegetação
cerrada, que cobre uma grande extensão de terras e é composta por árvores de
grande porte, não sendo aplicável quando o dano ocorre em pequena área ou em
qualquer outra espécie de vegetação (rasteira, arbustiva, etc).