segunda-feira, 29 de setembro de 2014

ELEIÇÕES 2014

"A diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações” (Winston Churcill – estadista inglês)
Vote com consciência! Esta é a campanha que retine ano após ano. Porém o que é exatamente votar com consciência? Pouco é ensinado sobre o assunto. Trata-se de uma idéia lançada aos eleitores porém não dá a dimensão exata do que realmente significa. Consciência é definida pelos léxicos da seguinte forma: “Lucidez. Senso de responsabilidade; sentimento ou percepção do que se passa em nós; voz interior aprovando ou reprovando nossas ações.” Veja que votar sob o crivo da “consciência” não é tarefa simplória, é preciso um mínimo  de dedicação. Considerando que o próprio Estado nos recomenda o voto com consciência é preciso análise sobre a história política do país.
A República Federativa do Brasil está diante do que está sendo considerada por muitos uma das mais importantes eleições da história do país, quiçá a mais importante. O momento histórico é ímpar considerando que, pela primeira vez a corrupção foi julgada e os corruptos condenados. Um outro componente único é que há a real possibilidade de despolarização entre os partidos políticos do PT e PSDB, considerando a história recente do país, em específico a partir da promulgação da Constituição da República de 05/10/1988, período no qual ambos partidos, e apenas eles, se revezaram no poder. É inegável também o fato de que o Brasil vive o maior período de estabilidade política e democrática desde a fundação da República, e é este o ponto que merece atenção redobrada, é preciso “percepção do que se passa conosco”, é preciso consciência.
“Lo que pasa en nuestra conciencia latinoamericana?”  A pergunta chave é: esta estabilidade político -  democrática ora experimentada é absoluta ou relativa?
Este questionamento é indispensável em um país que tem ampla “tradição em golpes de Estado” e que vive o conceito de liberdades públicas e democracia de forma ainda pouco amadurecida (expressão frequentemente utilizada pelo brilhante escritor e historiador Marco Antonio Villa).
Os principais termômetros para se aferir a saúde da democracia é a liberdade de imprensa, o respeito às liberdades públicas, concretização das prerrogativas da advocacia (uma vez que o advogado é o guardião das liberdades segundo Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio em recente declaração), dentre muitos outros. Estes direitos foram conquistados à preço de sangue e formalizados apenas em 1.988, ou seja, após quase cem anos de República, e, ainda estão em processo de amadurecimento, em vigor há apenas há 25 anos, e, corolário lógico,  ainda sofrem graves investidas por parte das autoridades.
Como afirmado logo acima o Brasil tem tradição inegável em golpes de Estado quando da necessária transição de poder: ora na tentativa de se depor determinado governo de forma violenta; ora na tentativa de se perpetuar no poder.
Não é apenas o famoso golpe de 1.964 que tem relevante importância histórica. Para que haja “consciência do que se passa conosco” elenca-se, em linhas gerais, breve apanhado dos governos Republicanos, sem fazer juízos de valor acerca dos governos instituídos:
1º - Em 1.922 ocorre a “Revolta do Forte Copacabana”, considerada a Primeira Revolução Tenentista,  na qual alguns poucos militares tentaram derrubar o representante da oligarquia brasileira Arthur Bernardes. Esta tentativa frustrada ocorreu ainda na República Velha, que teve sua duração entre 1.891, data da promulgação da primeira Constituição da República até 1.930 (era Vargas);
2º Em 1.924 é deflagrada a denominada “Segunda Revolução Tenentista” na qual mais uma vez um grupo de Tenentes do Exército tenta tomar de forma violenta o poder, sendo que mais uma vez foram derrotados, culminando na batalha que se intitulou “Coluna Prestes”, em razão da forte resistência das forças revolucionárias, engendrada pelo tenente Luis Carlos Prestes, considerado um dos maiores revolucionários.
3º Em 1.930, marcando o fim da República Velha, o término do regime oligárquico e da política “café com leite”, bem como a revogação da Constituição de 1.891, um grupo de militares depõe o então presidente Washington Luiz e inicia-se um governo formado por uma junta militar que sede o poder à Getulio Vargas.  Vargas governa por meio de um Decreto até o ano de 1.934 quando se promulga uma nova Constituição. Vargas permanece no poder quando em 1.937 promulga a chamada “Constituição Polaca” com forte influência polonesa carregada de idéias facistas, e, se perpetua no poder, iniciando o “Estado Novo”. Nesta Constituição de 1.937, em seu último artigo, instaurava-se o Estado de Emergência, o que na prática, cassava todas liberdades públicas e fechava o Congresso Nacional.
4º - Em 1.945, Getulio Vargas é deposto, sendo forçado à uma renúncia, e inicia-se a “Quarta República”, no qual foi eleito o Presidente Dutra que atuou até 1.951.
5º Em 1.951 Getulio Vargas retorna ao poder, porém comete misterioso suicídio em 1.954.
6º Café Filho assume, porém afastou-se em 1.955, sucedendo-lhe Carlos Luz o qual foi deposto por tentar impedir a posse de Juscelino Kubitschek, ou seja, nova tentativa fracassada de golpe de Estado.
7º Em 1.961 Janio Quadros assume e por pressão militar renuncia.
8º João Goulart, “Jango”, sobe ao poder, porém, em 1.964, como é de conhecimento geral, sofre o golpe militar o qual perdura até 1.985;
9º Após o fim da ditadura militar e o movimento pelas “diretas já”, período no qual José Sarney foi eleito Presidente de forma indireta, após a Constituinte de 1.988,  Fernando Collor de Melo é o primeiro presidente eleito de forma direta pelo povo, o qual antes do término de seu mandato, sofre “impeachment”, sendo deposto do poder via democrática.
A partir de então os partidos do PT e do PSDB, e somente eles, se revezaram na cúpula do Poder Executivo.
É preciso fazer a ressalva que a partir de 1.964 houveram tanto tentativas de golpes de direita como de esquerda, não se defende aqui nenhum dos lados, contudo, é notório que assim como o militarismo deixou graves consequências no país, também, a Revolução Cubana foi o pior exemplo possível para a América Latina, tendo em mira que pregava a mudança pelas armas, criando inúmeros anti -  heróis que ainda inspiram diversos militantes que insistem em se fantasiar de “Che Guevara” porém não querem viver na Argentina e muito menos em Cuba. Esta onda revolucionária influenciou o Brasil e muitos do que hoje estão no poder, logo, ainda sofremos com sua influência ainda que de maneira menos fervilhante. E nada contra “Che Guevara”, nem a favor.
Em linhas gerais esta é a história da República brasileira, a qual tradicionalmente, conforme já informado algures, vive de golpes de Estado e deposições de governo. Por isso é que se afirma que estas eleições estão inseridas em uma conjuntura histórica muito importante, até mesmo porque muitos eleitores sequer têm idéia do sangue derramado até então para que se viva esta relativa estabilidade, que não se enganem, não é imune a desmoronar. A história ajuda a compreender o presente e revela, ainda que por estimativa, o futuro.
Continuam ainda no poder muitos dos golpistas e guerrilheiros tanto de esquerda como de direita. Ainda permanecem no poder muitos inimigos da República e do processo democrático. Muitos deles inclusive mantendo péssimos relacionamentos com países totalitários e de regimes declaradamente anti – democráticos, como por exemplo, Cuba, Irã, Rússia, Venezuela, etc.  
Portanto, é preciso muita cautela ao escolher os representantes, é preciso pesquisar sua vida política, não apenas do ponto de vista do discurso da moral, mas, de sua trajetória e lutas, na medida em que, não raras vezes, o discurso é dissonante em relação à história vivida. Antigamente à esta atitude se dava o nome de hipocrisia, hoje, dada a relatividade dos conceitos, sabe-se lá como se chama.
Atualmente tramitam no Congresso Nacional diversos projetos que tentam limitar a atuação da imprensa, a liberdade religiosa, ataques à família, ataques às liberdades públicas, à vida, à independência dos poderes, etc. Senador Magno Malta denunciou recentemente, de tribuna, o abuso que o Conselho Nacional de Políticas de Combate às Drogas tenta cometer baixando resolução a qual aguarda aprovação Presidencial, na qual impede que as Casas de Recuperação utilizem qualquer denominação religiosa, em nome de não se ferir a laicidade do Estado. Enfim, trata-se de verdadeira invasão na liberdade de culto, que é uma das liberdades públicas.
Existem projetos sorrateiros que tentam, de uma forma ou de outra, engendrar subversão da ordem constitucional, por meio de artifícios jurídicos. É preciso atenção aos sinais que Winston Churchill bem previu antes da formação da União Soviética, sinais os quais, estão cada vez mais se tornando robustos no presente momento histórico, como aconteceu com a vizinha Venezuela. 
É preciso alerta para que o Estado Democrático de Direito seja preservado, por aqueles que o amam, porque, a República do Brasil é manchada por um histórico incontestável de sucessivos e reiterados golpes de Estado.
Conheça o que se passa conosco, vote com consciência.


WWW.SOLEJUSTICA.BLOGSPOT.COM.BR


quinta-feira, 14 de agosto de 2014


Tangenciando a dignidade da pessoa humana nas questões da Seguridade Social

 Assunto indiscutivelmente em voga são as discussões acerca da dignidade da pessoa humana. Todavia trata-se de tema assaz polêmico e alvo de inúmeras interpretações uma vez que o conceito dignidade traz consigo definições de ordem subjetiva e objetiva, até mesmo de ordem transcendental.

Não se tem a pretensão neste trabalho de esgotar o conceito de dignidade da pessoa humana, mas apenas tergiversar acerca da influência deste princípio nas demandas que envolvem os direitos da seguridade social (saúde/previdência/assistência), além disso: tentar-se-á estabelecer tecnicamente e sob o jugo do postulado constitucional da unidade de forma prática em quais aspectos a dignidade da pessoa humana é atacada nestas espécies de demanda.

 Note leitor que não se tentará definir absolutamente o conceito de dignidade da pessoa humana, mas partindo de um ponto em comum entre os estudiosos do direito, serão apontados em que pontos a dignidade é agredida, logo, não se trata de um discorrer acerca de definições, mas sim de apontamentos e tentativa de delimitação e de fotografar o local exato onde a dignidade da pessoa humana é ferida nas demandas envolvendo direitos da seguridade.

O tema dignidade da pessoa humana é extremamente amplo e necessita sempre de algumas delimitações para que este direito tenha chances de ser efetivamente tutelado e não se transforme somente em mera utopia do constituinte.

A princípio importante observar qual a ótica da Constituição da República do que seja “dignidade da pessoa humana” e, de chofre, afirma-se que se trata de um fundamento.

O que é um fundamento?

Diversos conceitos podem ser atribuídos, o mais corriqueiro é equiparar fundamento a princípio.

Todavia no presente contexto adota-se o conceito retirado da filosofia, dentro da classificação “fundamento ideal”, ou seja: esse fundamento é a razão de ser de todo o enunciado (Constituição da República).

 Não toma-se aqui a idéia de que os valores elencados no artigo 1° da CF são apenas norte, ou meros indicadores de interpretação e hermenêutica constitucional, seja horizontal ou vertical. Defende-se a idéia de que todo o “resto” que foi colocado na Constituição Federal encontra razão de ser no artigo primeiro. Vale dizer também, revertendo o raciocínio, que toda a CF se presta para cumprir o disposto no artigo primeiro, pois é fundamento ideal.

 Os fundamentos da República estão para a Constituição assim como Jesus Cristo está para o cristianismo, ou seja, é cerne, razão, motivo, enfim: fundamento.

 Até aqui a conclusão é a seguinte: toda a CF encontra razão de ser para cumprir os fundamentos insculpidos no artigo 1º. Nunca poderá atentar contra estes fundamentos sob pena de ruir sua estrutura, sua base. Ao lado do fundamento “dignidade da pessoa humana” encontramos uma outra rocha em que se funda o Estado brasileiro que é o “valor social do trabalho.”

 Portanto, em um mesmo patamar constitucional, sob o rótulo “fundamentos da República Federativa do Brasil” estão: a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, valores positivados na ordem jurídica corrente, dispostos no artigo 1°, incisos III e IV da Constituição da República:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Portanto todas as emendas, leis, decretos e atos normativos de qualquer ordem devem observar inexoravelmente estes fundamentos, uma vez que a sua razão de ser e existir é contribuir para a concretização destes fundamentos.

 Da mesma maneira todas as interpretações jurídicas administrativas ou judiciais acerca destas mesmas emendas, leis e demais atos normativos devem ser realizadas também com o intuito de se concretizar num plano real da vida a implantação destes fundamentos (artigo 1° da CF).
Logo, o trabalho dentro da sociedade brasileira é reconhecido juridicamente como um dos pilares em que se funda a nossa República; o trabalho é considerado um valor social em si mesmo, e nas demandas envolvendo direitos da seguridade social, o Autor muitas vezes não pode justamente exercer trabalho ficando impedido de cumprir este fundamento e contribuir com este valor para com a nação.

 Em sendo o valor social do trabalho um fundamento, e estando o segurado inapto a exercer esta função social, por motivos alheios a sua vontade, vai de encontro a este próprio fundamento constitucional? Sim.

Trata-se de situação digna? Entende-se que não.

 Pode –se dizer que ofende a dignidade da pessoa humana? Entende-se que sim.

 Note leitor que não se está aqui debatendo em plano jusnaturalista, mas sim estamos tratando de valores positivados na ordem jurídica corrente.

 Ao mesmo tempo em que o mero fato de inaptidão de qualquer ordem ao trabalho (valor social em si mesmo) ofende a dignidade da pessoa humana e ofende a própria Constituição, a própria Constituição oferece instrumentos para que o valor social do trabalho seja praticado (saúde e reabilitação profissional) e quando não pode ser praticado também oferece instrumentos de proteção e substituição para o trabalhador (previdência social e assistência social).

 Não poderia ser diferente, pois, como dito algures, toda a Constituição deve se prestar ao mister de tutelar e concretizar os fundamentos da República, por isso em reconhecendo o valor social do trabalho deve proteger este valor e empregar instrumentos de proteção a quem não possa exercê-lo, sob pena de ferir na sequência e por conseqüência outro valor: dignidade da pessoa humana.

Em sendo a dignidade da pessoa humana fundamento e ao seu lado figurar o valor social do trabalho, e em estando o indivíduo inapto ao trabalho, deve o Estado garantir meios para que o individuo retorne a exercer este valor e se não possível deve oferecer substitutivos, para que se não possível garantir a dignidade da pessoa humana aplicando o fundamento do valor social do trabalho, que se garanta a mesma dignidade aplicando proteção social.

 Liame jurídico estreito é observado nas relações do parágrafo acima.

 Por estas razões quando o Estado nega indevidamente o acesso à seguridade social ao indivíduo fere a própria dignidade da pessoa humana, uma vez que os instrumentos estatais não estão sendo aptos a concretizar individualmente os fundamentos ideais da República.

 O referido valor social vem exposto no artigo 6° da Constituição Federal em que constam os Direitos Sociais do Homem, o caput explicita:

Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição.

Ressalte-se que tais Direitos são fundamentalmente inerentes ao Homem e, segundo Alexandre de Moraes, são “de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social.” (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª ed. Atlas, p. 193.)
Ainda nesta esteira, o Constituinte Originário consagrou no Título sobre a Ordem Econômica e Financeira os Princípios Gerais da Atividade Econômica.

 Adotou-se para tanto, a visão Liberal em sua nova roupagem, levando-se em conta a Livre Iniciativa, bem como, os Direitos Sociais, traduzidos conforme disposto no Artigo 170:


Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VII – redução das desigualdades regionais e sociais

VIII – busca do pleno emprego.


Além do reconhecimento (já mencionado) em sede dos princípios fundamentais da República, dos Direitos Humanos em plano Internacional e dos Direitos Fundamentais do Homem (no plano interno), a Constituição Nacional também o fez quando reconheceu a importância da Atividade Econômica.

 O plano sócio-econômico é todo arquitetado sob a égide da valorização do trabalho e seu conseqüente poder que dignifica a pessoa enquanto ser humano.

Quando o Estado destaca o Trabalho como um valor, deve garantir que este seja protegido, assim, o “atendimento aos direitos sociais exige prestações positivas dos poderes públicos, razão pelo qual são denominados direitos de promoção ou direitos prestacionais.” (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2ª ed., Editora Método, p. 371).

 Esta visão faz remissão ao Princípio da Dignidade Humana, atrelado aos ditames da Justiça Social, visando entre outros princípios, à redução das desigualdades regionais e sociais.


Aliás, o artigo 3º da Constituição Federal estabelece objetivos da República Federativa do Brasil, sendo que em seu inciso III dispõe sobre a erradicação da pobreza e da marginalidade e objetiva ainda a redução das desigualdades sociais e regionais.

 O trabalho, portanto, possui função social e econômica. Ele dignifica a pessoa enquanto ser humano. A sua existência minimiza os efeitos trazidos pela desigualdade, por isso estar relacionado com os ditames da justiça social.

No Título VIII da Constituição vislumbra-se a Ordem Social, e no artigo 193 há a seguinte disposição:

Art. 193 A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem–estar e a justiça sociais.

Conforme já mencionado o valor do trabalho é expressamente reconhecido como a base da ordem social e seu objetivo é o bem-estar e a justiça social.

 Neste mesmo Título, a Constituição tratou da Seguridade Social erguida sobre o tripé da Saúde, Previdência e Assistência Social, e foi muito bem conceituada por Sergio Pinto Martins como sendo:

O conjunto de princípios, de regra e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (grifado)

 A proteção dos direitos atinentes à Seguridade Social está relacionada às prestações positivas dos poderes públicos, notadamente visando à substituição temporária ou definitiva dos valores sócio-econômicos do trabalho, inerentes ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

 Contudo, de acordo com o disposto no artigo 5º §1º da CF, “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” Firmou-se assim o Princípio da Máxima Efetividade. Pertinente transcrever o que nos ensina Marcelo Novelino quanto a este assunto:

Em suma, a aplicabilidade dos direitos humanos fundamentais sociais depende, em elevado grau, do enunciado das normas que os consubstanciam, sendo que, enquanto alguns poderão ser concretizados judicialmente pela via interpretativa, outros dependerão de intermediação legislativa e/ou administrativa. Não obstante, o princípio da máxima efetividade (art. 5º, §1º) impõe seja feita uma interpretação que confira a maior efetividade possível a esses direitos, para o cumprimento da função social para a qual foram criados.

Posto isto, tem-se nos casos em que o indivíduo não pode trabalhar por motivo de doença, invalidez, idade avançada, deficiência, desamparo, que a dignidade da pessoa humana é afrontada no aspecto do valor do trabalho positivado na Carta Política Nacional.

O exigível é que o Estado faça esforços no sentido de entregar condições ao indivíduo de retorno ao trabalho. Instrumentos para tanto: saúde pública e processo de reabilitação previsto na Lei 8.213/91. Em não havendo possibilidades de retorno, concede-se substitutivo do trabalho que é o benefício previdenciário ou assistencial (prestações positivas).

 Reafirma-se que se o Estado nesta última etapa que tem o dever de substituir o trabalho do indivíduo nega indevidamente o substitutivo acerta em cheio o centro existencial do indivíduo, que é o trabalho que por si só tem valor, sem nem mesmo adentrar no mérito de que não teria meios de se sustentar, justamente para que nos atenhamos a um plano de discussão mais técnico e menos fático.

O Estado se obrigou a promover a saúde a reabilitação e a proteção social no caso de impossibilidade do exercício do trabalho, não se tratam de favores estatais, logo uma vez indevidamente negados ferem automaticamente a dignidade da pessoa humana no aspecto valor do trabalho.

 Defende-se a idéia de que nesta linha de raciocínio esta situação é apta a gerar indenização por danos morais ao segurado, na medida em que a responsabilidade do Estado é objetiva.

Necessário que a negativa de acesso à Seguridade Social seja injustificada ou extremamente equivocada nos seus fundamentos uma vez que por óbvio que a Administração Pública tem o poder de gerir e rever seus atos. Lembrando também que milita em favor da Administração Pública a presunção de legitimidade, ou seja, o ônus da prova é invertido e compete ao segurado comprovar a discrepância.

 Retomando: O indivíduo está impedido de trabalhar por prescrições médicas e o Estado lhe nega prestação previdenciária ou assistencial sob a alegação que tem condições de retorno. O indivíduo retorna ao médico da empresa que o considera novamente inapto. O segurado deve aguardar no mínimo trinta dias para fazer novo requerimento de afastamento. Esta situação, se comprovada sua irregularidade e erro da Administração Públcia, fere a dignidade do indivíduo partindo do princípio do fundamento ideal de que a sociedade brasileira reconheceu em plano constitucional o trabalho como valor em si mesmo, logo, presume-se que todos os cidadãos querem trabalhar e primam pelo trabalho.

 E é o que na vida prática se verifica de fato, antes que pensamentos contrários venham a tona, que a maioria dos segurados são pessoas honestas e não tem a índole de usurpar o dinheiro público.

 Todo o exposto acima encontra escopo na tentativa de se tangenciar e apontar a exata ofensa ao fundamento da dignidade da pessoa humana dentro das questões da Seguridade Social, fundamento o qual encontra respaldo firme  inclusive na jurisprudência:

Assim, em virtude do papel que deve desempenhar o juiz na efetivação dos direitos subjetivos individuais, especialmente aqueles que direta ou indiretamente se correlacionam com os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e aos direitos sociais, curvo-me ao v. aresto de fls. 156/157, para exercer a função que me foi atribuída e atender à finalidade última do ato de julgar que, segundo meu sentir, consiste em fazer justiça e não simplesmente aplicar cegamente as normas de direito positivo.

Não atende ao princípio supremo e valor ético referente à dignidade da pessoa humana, decisões que sem atribuir uma solução efetiva à demanda, prendem-se a tecnicismos com objetivos nitidamente políticos, referentes à competência material de órgão do Poder Judiciário que, de fato é uno, pois divisível é apenas a função ou o trabalho, para desprezar a Constituição Federal e as normas infraconstitucionais como um sistema integrado e incindível, esquecendo-se que embora as regras de atribuição de funções e divisão de poder devam ser respeitadas para que se garanta o Estado Democrático de Direito Social, a razão de existir do próprio Estado tem como pressuposto lógico antecedente o próprio ser humano (...). Apelação Cível Com Revisão n,J. 843.803-00/9 Voto n-. 8.969

O Estado é para o homem e não o homem para o Estado, no mesmo sentido o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes:

Em um dos seus mais refinados escritos – Pessoa, Sociedade e História – Miguel Reale afirmou que toda pessoa é única e que nela já habita o todo universal, o que faz dela um todo inserido no todo da existência humana; que, por isso, ela deve ser vista antes como centelha que condiciona a chama e a mantém viva, e na chama a todo instante crepita, renovando-se criadoramente, sem reduzir uma à outra; e que, afinal, embora precária a imagem, o que importa é tornar claro que dizer pessoa é dizer singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência, o que é impossível em qualquer concepção transpersonalista, a cuja luz a pessoa perde os seus atributos como valor fonte da experiência ética para ser vista como simples “momento de um ser transpessoal” ou peça de um gigantesco mecanismo, que, sob várias denominações, pode ocultar sempre o mesmo “monstro frio: coletividade; espécie; nação; classe; raça; idéia; espírito universal; ou consciência coletiva”.

Pois bem, é sob essa concepção metafísica do ser humano que reputamos adequado analisar a dignidade da pessoa humana, como um dos princípios – desde logo considerado de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional – em que se fundamenta a República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1 da Carta Política de 1988. (MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2 ed; Ed. Saraiva;2008; pág. 150)

Trata-se de valor supraconstitucional a dignidade da pessoa humana, é fundamento da República, e, como bem explicitou professor Miguel Reale, na medida em que se furta do segurado seu último recurso, no caso a Previdência Social ou assistência social, flagrantemente se afronta o ser humano e por conseqüência sua dignidade, tendo em vista que o ser humano, que é individual por essência, foi transformado em “parte do coletivo”, lançado em um caldeirão comum, ou em uma vala comum.

 Mais uma vez provado que toda a Constituição e órgãos que interpretam a lei devem obediência e lealdade para concretizar os fundamentos da República.

O fundamento da dignidade da pessoa humana mantém íntimo liame jurídico com o valor social do trabalho, do qual diversos indivíduos já não desfrutam, restando-lhe apenas o substitutivo representado na figura da Previdência ou Assistência Social, a qual por sua vez possui ligação com o princípio constitucional da justiça social.

Finalizando, pede-se licença para citar outro Autor, o qual também discorre acerca da dignidade da pessoa humana, o ilustre Procurador Federal, Marcelo Novelino:

O fato de ser cada vez maior o número de declarações universais de direitos e de Constituições que a consagram expressamente é relevante na medida em que esta noção assume um inquestionável caráter jurídico. Por certo, não é indiferente que a dignidade da pessoa humana esteja explicitada na Constituição. Esta positivação faz com que ela deixe de ser apenas um valor moral para se converter em um valor tipicamente jurídico, passando a se revestir de normatividade.

Uma das conseqüências da consagração da dignidade humana no texto constitucional é o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção em favor do ser humano e de sua personalidade, vez que o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2 ed. Ed. Método; 2008; p. 206.)

 Em específico, o inciso I, do artigo 201 da Constituição da República dispõe da seguinte maneira:

A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

 I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

Todos estes eventos previstos especificamente protegem o trabalhador de riscos sociais inevitáveis que o impedem de retornar ao trabalho.

Em conclusão: entende-se que nas situações em que indevidamente é negado ao segurado acesso a seguridade social o trajeto que se percorre para que a dignidade da pessoa humana seja ferida passa inevitavelmente pelo fundamento do valor social do trabalho, uma vez que o indivíduo por incidência de algum risco social se encontra inapto ao trabalho, situação que ganha foros de indignidade quando se nega a correspondente proteção social para o respectivo infortúnio.


Murilo Nogueira

Advogado